quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Funções Essenciais à Justiça - Advocacia Pública

A defesa da União

Decisões judiciais nem sempre resolvem conflitos

Por Rodrigo Haidar
Luiz Inácio Adams - Spacca - SpaccaLuiz Inácio Adams - Spacca - Spacca
O advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, fez história assim que assumiu, em 23 de outubro de 2009, o comando do maior escritório de advocacia do país, que conta com 8.500 advogados e mais de 800 representações em órgãos da administração pública e ainda representa o cliente que tem o maior número de causas na Justiça brasileira. Motivo: era o primeiro membro de carreira da advocacia pública escolhido para comandar a Advocacia-Geral da União (AGU).
Há um ano e meio à frente da instituição, o maior mérito do ministro talvez seja o de reforçar o trabalho de solução de controvérsias entre entes da administração pública internamente. Era comum departamentos do governo brigarem judicialmente por recursos financeiros, que no final das contas trocavam de endereço mas continuavam no cofre do erário.
“Não há, hoje, processos ajuizados pela administração pública contra áreas da própria administração”, afirma Adams. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, concedida em seu gabinete, na sede da AGU, em Brasília, o ministro falou sobre o trabalho de uniformização de procedimentos dos diversos órgãos da administração e lembrou de como era penoso para o cidadão e custoso para o Estado conviver com regras diferentes sobre os mesmos temas.
“A administração tributária tinha práticas, legislações, políticas diferentes das da Receita Federal. Era um absurdo. Para a mesma questão tributária havia prazos de parcelamento, de prescrição e decadência, penalizações, juros, valores de multa, todos diferentes”, lembra. O quadro mudou, em benefício do Estado e dos contribuintes: “O cidadão tem direito à uniformidade de tratamento. Ele não pode se submeter a regras diferentes por razões eminentemente casuísticas de organizações diversas”.
Na entrevista, Adams defende mais do que a solução administrativa de muitas batalhas que são resolvidas nos tribunais. Em sua opinião, o Judiciário tem de respeitar os limites de competência do Poder Executivo, como na elaboração e instituição de políticas públicas. Não pode fazer um juízo de conveniência e oportunidade política de quando vai se realizar uma obra, a construção de escola ou um concurso público. “Isso tem de ser preservado”, diz. Até porque, como lembra o ministro, a decisão judicial nem sempre resolve o conflito.
Gaúcho de Porto Alegre, Adams foi procurador-geral da Fazenda Nacional de 2006 até ser nomeado Advogado-Geral da União. Antes disso, em 2003, foi consultor jurídico e, um ano depois, secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamento. Entrou para a carreira de procurador da Fazenda Nacional em 1993, ano em que a AGU foi criada.
Além do trabalho interno da AGU, Adams falou à ConJur sobre a defesa do Conselho Nacional de Justiça,  julgamento do pedido de extradição de Cesare Battisti, salário mínimo por decreto e sobre o fato de quase ter sido nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. “Se viesse a convocação, eu assumiria com toda a tranquilidade porque não me sinto nem um pouco desqualificado para o cargo. Agora, não quer dizer que eu esteja em campanha. Estou preparado para continuar e aprofundar, nos quatro anos de governo da presidenta Dilma, o trabalho da AGU, que tem uma relevância pública e no sistema jurídico inquestionável”.
Leia a entrevista:
ConJur — O governo ainda ocupa muito a Justiça com litígios entre entes da própria administração pública?
Luís Inácio Lucena Adams — Hoje, muito menos. Não se adota mais a prática de ajuizar ações contra entes da administração pública. A AGU coordena nacionalmente todos os escritórios de advocacia pública com a orientação para que não façam isso. O caminho natural é buscar a solução interna do conflito. Pode haver um estoque de processos antigos ainda não identificados, mas não há, hoje, processos ajuizados pela administração pública contra áreas da própria administração. Quando surgem os conflitos, são trazidos para a câmara de conciliação e arbitragem interna e resolvidos.
ConJur — Inclusive as discussões previdenciárias, que eram responsáveis pelo maior número de processos?
Adams — Sim. A administração vem se organizando de forma harmônica. Esses processos foram gerados pelo fato de, no passado, a administração ser organizada de forma fragmentada. No caso da Receita Federal, por exemplo, houve um forte processo de uniformidade. A administração tributária tinha práticas, legislações, políticas diferentes das da Receita Federal. Era um absurdo. Para a mesma questão tributária havia prazos de parcelamento, de prescrição e decadência, penalizações, juros, valores de multa, todos diferentes.
ConJur — E o contribuinte sem saber o que fazer no meio das divergências...
Adams — A uniformização mudou isso. O cidadão tem direito à uniformidade de tratamento. Ele não pode se submeter a regras diferentes por razões eminentemente casuísticas de organizações diversas.
ConJur — A mesma realidade era repetida na área da defesa da União?
Adams — Com a AGU, a área jurídica da União saiu de uma realidade fragmentária. Cada ministério tinha sua consultoria isolada. Cada autarquia tinha sua atividade consultiva e atividade contenciosa isolada. As carreiras sequer se comunicavam. Universidades federais tinham padrões remuneratórios e de organização da área jurídica totalmente distintos, muitas vezes na mesma universidade. Estamos falando de 1992. A partir daí a AGU criou um paradigma de uniformidade jurídica. Ou seja, hoje, a Advocacia da União produz orientações comuns a toda administração para que ela se comporte de maneira uniforme.
ConJur — Há a edição de súmulas sobre determinados temas?
Adams — Súmulas e orientações. No ano passado, por exemplo, foram editadas cerca de 40 orientações para padronização de conduta na questão de licitações. Existe um colégio de consultores com essa finalidade. Houve um esforço gigantesco para dar à administração instrumentos estáveis de comportamento. Diante de uma decisão do Supremo Tribunal Federal em um caso previdenciário, por exemplo, é preciso viabilizar o pagamento dos benefícios a quem tem direito. Isso traz ganhos econômicos e sociais com o cumprimento da decisão e a redução de litígios. E há um ganho de legitimidade no que diz respeito aos atos da administração pública. Todos ganham.
ConJur — Há uma reivindicação dos advogados públicos em torno do direito de receber honorários de sucumbência. O senhor concorda com essa reivindicação?
Adams — A sucumbência é fruto direto da atuação do advogado Ela tem uma relação direta com resultados. Temos conversado sobre isso. Mas existe um problema. O nosso modelo de remuneração é o de subsídios, que exclui qualquer outra parcela de remuneração. Poderia ser achada uma solução intermediária. Por exemplo, os honorários de sucumbência serem aplicados na área de capacitação, de investimentos próprios da instituição, porque aí também se converteriam como ganho para o advogado público.
ConJur — A AGU atua mais na área consultiva ou na contenciosa?
Adams — É difícil avaliar. A área consultiva e a contenciosa se interpenetram. A divisão de alocação de pessoas nas duas áreas é equilibrada, mas o processo é contínuo. A atividade consultiva se torna mais efetiva na medida em que a etapa seguinte, que é o possível contencioso, se reduz. Temos de criar soluções na área consultiva que gerem o menor volume possível de litigiosidade. Toda decisão da administração pública afeta a vida das pessoas. Diante de uma decisão, o cidadão tem duas escolhas: aceitá-la ou contestá-la judicialmente. Se o cidadão entende que se trata de uma decisão minimamente consistente, ajustada, não busca o Judiciário.
ConJur — A área consultiva tem de estar em sintonia com as decisões judiciais...
Adams — O esforço contínuo é o de gerar decisões administrativas com o maior nível de segurança e estabilidade possíveis, para que elas não se transformem em ações judiciais. E, mesmo quando as discussões cheguem ao Judiciário, é necessário que a decisão administrativa seja consistente para prevalecer ao final do julgamento. Nos grandes projetos isso é mais claro, quando se faz um trabalho enorme de assessoramento jurídico prévio já se preparando para o inevitável litígio que vai acontecer. Muitas vezes, mais do que um conflito jurídico, há um conflito de valores. E estes casos sempre geram discussão na Justiça. Por isso, o trabalho tem de ser consistente.
ConJur — O caso da construção da usina de Belo Monte é paradigmático nesse sentido, não?
Adams — Sim. Não argumento que convença alguns setores que são contra a construção da usina de Belo Monte, porque há uma convicção forte em sentido contrário. O acompanhamento jurídico das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é um bom exemplo desse trabalho. Há um grupo específico para fazer o acompanhamento dos projetos, na área consultiva e na contenciosa, para evitar que batalhas judiciais causem atrasos e prejuízos aos contribuintes.
ConJur — O Judiciário pode determinar que o Executivo implemente determinadas políticas públicas?
Adams — O Judiciário resolver uma situação individual, como, por exemplo, determinar a entrega de um medicamento para um paciente em situação de urgência, é uma coisa. Outra é determinar uma política pública. Já vi mandar que se fizesse concurso público. Isso não pode. Uma decisão dessa natureza é inerente ao exercício de conveniência e oportunidade da administração pública. Nestes casos, se viola claramente o princípio da separação dos poderes. O Judiciário não pode adentrar no universo do Poder Executivo e fazer um juízo de conveniência e oportunidade política de quando vai se realizar uma obra, a construção de escola ou um concurso público. Isso tem de ser preservado. É da natureza do sistema republicano que os poderes se interpenetrem, mas também que preservem espaços próprios de decisão, de forma que funcionem harmonicamente. A Justiça pode até sugerir, recomendar que se faça algo, mas ao determinar há um claro extravasamento de atribuições. A eleição de políticas públicas e, muitas vezes, a resolução de determinados conflitos de interesse, não é possível ao Judiciário fazer.
ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Adams — O maior conflito que vivemos na AGU hoje é entre quilombolas e reservas ambientais. Ou seja, entre o Instituto Chico Mendes e o Incra. Por quê? Porque muitas reservas ambientais demarcadas pelo Poder Executivo têm ocupação quilombola. E muitas delas prevêem a exclusão da presença humana. Veja que neste caso não falo de conflito entre os interesses econômicos e os sociais. Trata-se de um conflito em torno exclusivamente de interesses sociais. Outro conflito que temos são áreas indígenas demarcadas que são ocupadas por pequenos agricultores. Uma decisão judicial não resolve o conflito.
ConJur — Mas o Judiciário pode determinar a retirada das pessoas. Isso resolve o conflito, não?
Adams — Certa vez fui a uma audiência do Ministério Público que discutia a necessidade de desocupação de área próxima a uma reserva ambiental, na qual moravam 20 mil pessoas carentes, pobres. Havia uma decisão para desocupar a área e uma forte pressão para que fosse cumprida imediatamente. Em respeito à decisão judicial, era o que tinha de ser feito. Mas quem é que vai sentar em cima de um trator e passar por cima das casas onde há famílias, crianças? O processo não acontece de maneira burocrática. Não há solução burocrática para casos assim. A efetividade da decisão é muito mais complexa porque envolve remanejamento, enfrenta resistência das famílias de sair do seu lugar. Muitas vezes demora. Nesse ponto, considero que o Executivo tem uma capacidade de articulação muito mais efetiva até porque lida de forma mais intensa com casos complexos como esses.
ConJur — A execução fiscal é ainda o maior gargalo da Justiça. O senhor considera possível a ideia de se fazer a execução fiscal administrativa, inclusive com a penhora de bens pelo fisco, sem manifestação do Judiciário?
Adams — Sim, considero legítimo. A execução não é, constitucionalmente, uma prerrogativa do Judiciário. Existe uma preocupação, que é correta, com a higidez da cobrança. De qualquer forma, o processo tem que ser depurado, qualificado, melhorado, e se associar a instrumentos efetivos de cobrança. O volume da execução fiscal corresponde a quase 40% dos processos judiciais no país. Isso traz um custo imenso para o Estado, para a sociedade. Todos pagam por isso e os únicos beneficiários do atual sistema, na verdade, são os grandes devedores, não os pequenos. Até porque os pequenos devedores nem vão à Justiça. O maior volume está abaixo de R$ 10 mil e não chega a ser discutido judicialmente. Mas os grandes devedores, que acumulam débitos de R$ 10 milhões, R$ 20 milhões, são os grandes beneficiários desse modelo. Até porque têm estruturas jurídicas muito bem montadas. Por isso, o atual modelo acaba contribuindo para uma postergação forte do pagamento de dívidas tributárias.
ConJur — Qual sua opinião sobre os projetos de lei que incentivam a repatriação de capitais?
Adams — O processo de repatriação é uma solução já usada por outros países. É importante para trazer à luz recursos que estão escondidos e alguma forma de receita para o Estado. Mas eles têm de ser implementados de maneira que não validem recursos financeiros que tenham origem na criminalidade, como os que vêm do narcotráfico. Parece-me que os projetos que tramitam no Congresso procuram excluir expressamente qualquer benefício para esse tipo de recurso. Usada de forma inteligente e honesta, a repatriação pode favorecer a legalização dos recursos em beneficio do Estado, em beneficio da sociedade.
ConJur — Em decisão do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça, a partir do princípio da simetria, decidiu equiparar as vantagens de juízes às dos membros do Ministério Público. O CNJ ainda editará uma resolução para regulamentar esse decisão. A AGU vai contestá-la?
Adams — Já informei publicamente que iremos impugnar essa resolução.
ConJur — Por quê?
Adams — Porque não se pode criar benefícios sem base legal definida. No caso dos juízes, a Lomam (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) não prevê vários benefícios que eles pretendem ter por conta da simetria com o Ministério Público, que na sua origem tem esses benefícios. Muitos benefícios são até anacrônicos. Não faz sentido, por exemplo, o benefício da licença-prêmio. Se abrirmos espaço para criar benefícios mediante interpretações, se abrirá um dique incontrolável. No que diz respeito a benefícios, é indispensável, importantíssimo, o papel, moderador que o Congresso Nacional exerce nesse processo.
ConJur — Ou seja, benefício só por meio de lei?
Adams — Exato. O processo é complexo e a posição da AGU é a de puramente preservar algum nível de legalidade nessa discussão. O CNJ é uma instituição fundamental, mas não foi instituída para orientar esse tipo de benefícios.
ConJur — A AGU é responsável pela defesa do CNJ quando suas decisões são contestadas. Agora, irá contestar uma de suas decisões. Não há um conflito aí?
Adams — Nós resolvemos esse conflito com a figura do advogado ad hoc. Um advogado indicado para atuar naquele processo específico. Como é que usualmente fazemos quando há conflito entre os órgãos da administração? A AGU se posiciona em favor de um deles como instituição, mas disponibiliza para o outro uma defesa na figura do advogado ad hoc. Esse advogado, ou a equipe, a depender da complexidade do caso, atua supervisionado diretamente pelo cliente, não pela Advocacia Geral, como é de praxe. A AGU já fez isso em outras ocasiões. Por exemplo, em um conflito entre o CNJ e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Tomamos partido da decisão do CNJ e ofertamos ao TJ distrital a possibilidade de defesa. Dois advogados públicos ad hoc atuaram no caso.
ConJur — As decisões do CNJ tem sido cada vez mais contestadas no Supremo. E o Conselho vem sofrendo algumas derrotas importantes. O CNJ está indo além das suas atribuições ou o Supremo está muito rigoroso?
Adams — Nem uma coisa, nem outra. O CNJ, apesar da proeminência que alcançou, é uma instituição muito nova. O que está havendo é um ajuste na carruagem, por assim dizer assim. A atuação do CNJ tem gerado a exposição de situações muitas vezes absurdas da Justiça. Existe situação mais teratológica do que uma pessoa estar presa provisoriamente há 15 anos, como o CNJ identificou? Provavelmente, se ela fosse condenada, a pena teria sido menor que isso. E isso tem levado a uma atuação mais incisiva do Conselho. Os órgãos estão em busca do equilíbrio.
ConJur — A discussão mais importante em torno do CNJ é se ele tem competência subsidiária ou concorrente em relação às corregedorias dos tribunais locais. Ou seja, se ele pode agir antes de dar a oportunidade de a corregedoria local analisar o caso. Qual sua opinião sobre isso?
Adams — Estou confiante que o Supremo irá preservar a competência concorrente. Mesmo ministros que já deram liminares suspendendo decisões do CNJ, como o ministro Dias Toffoli, já se manifestaram em favor da competência concorrente. Para preservar o que o CNJ conquistou nestes cinco anos de existência, é importante que se reconheça essa competência. Até porque se o sistema anterior funcionasse, o CNJ não precisaria existir. Ele existe porque o sistema não funcionava.
ConJur — A AGU tem importantes batalhas pela frente. O senhor acredita na vitória do governo na ação que contesta a fixação do valor do salário mínimo por decreto, ajuizada pela oposição no Supremo?
Adams — Primeiro, a reação da oposição é natural. É da natureza do sistema democrático que haja maiorias, minorias e divergências. Vejo com muita naturalidade que eles critiquem e até impugnem essa decisão, que é do Congresso Nacional, não do governo, importante que se diga. Pessoalmente, não acho que o Congresso errou. Porque ele fixou o valor do salário mínimo, o método de correção e determinou à presidente apenas que, anualmente, informe a sociedade qual é esse valor, de acordo com os critérios que o Congresso Nacional decidiu.
ConJur — Os critérios de reajuste já estão decididos?
Adams — Sim. A presidente não vai decidir nada. Vai simplesmente informar qual é o valor com base nos critérios definidos pelo Congresso Nacional. Essa ação só prosperará se o Supremo entender que o Congresso não pode fixar nenhuma regra de correção, o que eu acho muito difícil. E mais: se o Congresso entender que os critérios não foram bons, pode revogar a regra de correção. Se quiser, por iniciativa parlamentar, revoga a regra de correção, o que obrigaria a emissão de uma lei de novo anual. Essa é uma decisão que pode ser do Congresso. Então, o Congresso não abriu mão de sua competência.
ConJur — Outra batalha importante é a questão da extradição do ex-militante italiano Cesare Battisti. Recentemente, o governador gaúcho e ex-ministro da Justiça Tarso Genro afirmou que Battisti é um preso político do Supremo Tribunal Federal. O senhor concorda com essa afirmação?Adams — Não acho que possa se afirmar isso. O que existe é um processo de extradição complexo. O refúgio a Battisti já foi negado, depois concedido e cassado. Há uma extradição autorizada e a discussão sobre o nível de discricionariedade do presidente da República no processo de extradição. A decisão presidencial de não extraditar retornou ao Supremo para emissão do alvará de soltura. Se analisarmos a complexidade do debate, por pior que seja, infelizmente, para o Battisti, é natural que assim o seja. Mas a corte deve julgar sugar logo o processo.
ConJur — O caso Battisti é um marco nessa discussão, não? Porque até então, de acordo com a jurisprudência do Supremo, quando o presidente da República concedia o refúgio, automaticamente se arquivava o processo de extradição. O caso do Battisti marca uma virada?Adams — A discussão extravasou para o próprio efeito vinculativo da decisão de extradição, que é muito significativa. O que vemos nesse movimento é que, no processo de extradição, a decisão sai da esfera do Executivo e vai para o Judiciário. A discussão vinculativa é se quando o Supremo autoriza extradição, ele está, na verdade, determinando extradição. Nunca foi assim. O processo de extradição sempre foi um processo autorizativo. Dessa ótica, o debate ganha complexidade.
ConJur — Por quê?
Adams — O Supremo, ao analisar a extradição, normalmente analisa alguns aspectos: se houve o devido processo legal, se a pena pelo crime é adequada, entre outros. Se o tribunal entrar em uma esfera mais ampla, terá de analisar, por exemplo, a cada extradição, as razões humanitárias, o respectivo tratado para verificar se os elementos de não extradição estão presentes naquele processo. O que nunca foi objeto de analise da Suprema Corte. Então, eu acredito sinceramente que o Supremo deve confirmar a decisão presidencial até em respeito à dinâmica desse processo. Em ultima analise, é uma dinâmica entre países. O que eu tenho sustentado é que os tratados dos países são tratados que procuram fechar, mas também manter algumas portas abertas. Eles procuram regular esse relacionamento, mas dando a cada país certo grau de discricionariedade nessa relação. Isso faz parte dessa relação de tratado. O que é uma situação pessoal que possa gerar agravamento? Isso é um juízo subjetivo, hipotético. Substituir esse juízo é substituir o juízo de suposição. É dizer que a sua suposição é melhor que a minha. Estou confiante que o que o presidente decidiu adequadamente dentro da sua esfera de competência deverá ser preservado pela Corte.
ConJur — O ministro Luiz Fux, ao ser indicado para o Supremo, declarou que se preparou a vida toda para ser ministro do STF. O senhor se tornou um nome forte nessa corrida. Chegou perto de ser nomeado. O senhor está se preparando para ser ministro do Supremo?
Adams — Nós devemos nos preparar para cumprir a nossa função. A declaração do ministro Fux não significa que ele estivesse todo o tempo em campanha para ser ministro do Supremo. Considero que ele quis dizer, fundamentalmente, que se formou e se qualificou para poder chegar ao tribunal. É isso que temos de fazer: estar preparados para enfrentar os desafios para os quais nós somos chamados. Nesse ponto, estou totalmente tranqüilo. Se viesse a convocação, eu assumiria com toda a tranqüilidade porque não me sinto nem um pouco desqualificado para o cargo. Agora, isso não quer dizer que eu esteja em campanha. Porque muitas vezes a impressão sugere essa ideia. Eu estou satisfeito na AGU porque fui confirmado pela presidente Dilma em uma função que, a rigor, não é objeto de rateio ou de composição política. É uma escolha pessoal forte e isso se traduz no reconhecimento do meu trabalho e do trabalho da própria instituição. O futuro a Deus pertence. O que vem pela frente nunca se sabe. Estou preparado para continuar e aprofundar, nos quatro anos de governo da presidenta Dilma, o trabalho da AGU, que tem uma relevância pública e no sistema jurídico inquestionável. 
Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Funções Essenciais à Justiça - Advocacia Pública

Multa suspensa

Advogado público não responde por falha do Estado

A condenação pessoal de um procurador regional da União ao pagamento de multa processual foi cassada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. Ela julgou procedente a Reclamação movida pela União contra decisão em que a 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro aplicou multa ao procurador. De acordo com a relatora Cármen Lúcia, a condenação pessoal do procurador regional da União ao pagamento de multa processual é inadequada porque, no caso, ele não figura como parte ou interveniente no processo de execução.

"Dessa forma, está evidenciada a aplicação do artigo 14, inciso V e parágrafo único, do Código de Processo Civil, de forma transversa, reflexa e contrária ao que decidido na ação-paradigma", destacou.

Segundo o processo, a 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro impôs a um procurador regional da União multa processual no valor de R$ 2 mil, caso houvesse descumprimento da ordem judicial.

A União argumenta que, na análise da ADI 2.652, o Supremo decidiu atribuir interpretação conforme a Constituição Federal em relação à norma do parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, "estendendo-se a ressalva de aplicação de multa pessoal a todos os advogados que atuam em processos judiciais, independentemente do regime jurídico ao qual pertençam, abrangendo, portanto, os advogados públicos (concursados)".

A autora solicitava a concessão de medida liminar para suspender imediatamente os efeitos do ato questionado. No mérito, pedia a procedência do pedido a fim de cassar a decisão reclamada.

Decisão

Com base no julgamento do Plenário do Supremo na ADI 2.652, realizado em sessão do dia 8 de maio de 2003, a relatora verificou que os advogados públicos estão incluídos na ressalva do parágrafo único do artigo 14 do CPC, "não sendo possível, assim, fixar-lhes multa em razão de descumprimento do dever disposto no artigo 14, inc. V, do Código de Processo Civil".

"A vedação à condenação de advogados públicos, nos termos do que decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.652/DF, tem sido confirmada em precedentes deste Supremo Tribunal Federal", disse a ministra Cármen Lúcia, ao citar as decisões proferidas nas Reclamações 5.133, 7.181, 5.941, dentre outras. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.

Rcl 11.311

Revista Consultor Jurídico, 27 de setembro de 2011

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Funções Essenciais à Justiça - Advocacia Pública

Desvalorizar a advocacia pública é miopia política

Por Antônio Augusto de Queiroz

Poucas carreiras na administração pública reúnem tantas condições favoráveis e são merecedoras de melhoria remuneratória quanto as da advocacia pública, inclusive com possibilidades que não oneram os cofres da União.

Os integrantes das carreiras jurídicas da Advocacia-Geral da União e da defensoria pública, assim como os procuradores do banco central, vão para o segundo ano consecutivo sem qualquer atualização salarial, o que amplia a defasagem em relação a outras carreiras que exercem funções essenciais à Justiça, nos termos do capítulo IV da Constituição Federal.

A desvantagem remuneratória das carreiras da advocacia pública federal possui dupla jurisdição, porque acontece tanto em relação aos magistrados e membros do Ministério Público da União, quanto em comparação com seus colegas advogados públicos no plano estadual.

Os advogados públicos estaduais, graças ao trabalho de suas associações de classe junto aos governos e as assembléias legislativas, ou estão com seus vencimentos equiparados aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público ou fazem jus aos honorários sucumbenciais, uma excelente forma de complementação remuneratória, além da faculdade, na maioria dos Estados, do exercício da advocacia privada.

As entidades representativas das carreiras jurídicas federais, isoladamente ou por intermédio do Fórum Nacional da advocacia pública, têm atuado com vigor em diversas frentes para resgatar a dignidade remuneratória de seus representados.

A primeira frente de luta, garantida na Constituição e nas leis em vigor, tem sido a defesa, junto ao governo federal, de uma política salarial permanente que reponha o poder de compra dos salários, corroído e defasado pelo processo inflacionário.

A segunda trincheira de defesa da preservação do poder aquisitivo tem sido o Congresso, onde tramitam as propostas de emenda à Constituição (PEC) 443 e 452, ambos de 2009, que visam respectivamente à equiparação salarial e a autonomia administrativa e orçamentária assegurada aos membros de órgãos e poderes também considerados essenciais à Justiça.

A terceira frente diz respeito à defesa, junto aos Poderes Executivo e Legislativo, do direito ao recebimento de honorário sucumbencial, um prêmio concedido ao advogado da parte vencedora em face do êxito alcançado, que considera o valor da causa e a complexidade da matéria, além de outros critérios definidos pela Justiça.

Os honorários sucumbenciais pertencem ao advogado da parte vencedora, inclusive no caso do advogado público, mas o governo federal tem se apropriado, indebitamente, desses recursos e utilizado para a composição do superávit primário, em lugar de entregá-los aos seus verdadeiros donos, os Advogados Públicos.

A função saneadora do advogado público é imprescindível, tanto no aspecto da ética republicana, quanto na proteção do patrimônio e do erário públicos. As carreiras jurídicas da união atuam no consultivo, especialmente no controle da legalidade das políticas públicas e dos atos governamentais, e também no contencioso, defendendo o patrimônio, os agentes públicos e, principalmente, o erário, seja recuperando crédito, seja evitando devolução de tributos.

Deixar de valorizar essas carreiras com remuneração adequada e condições dignas de trabalho, além de miopia política, é um completo desatino, porque despreza o que há mais importante na maquina pública: funcionários qualificados, comprometidos com a efetividade das políticas públicas e defensores dos valores republicanos e do Estado democrático de Direito.

A presidente Dilma, caso não atenda às reivindicações dessas e de outras carreiras do serviço público, estará cometendo uma grande injustiça para com esses servidores que têm contribuído para o sucesso de seu governo em tudo aquilo que coincida com o interesse público. Os advogados públicos são funcionários de estado e dão o melhor de si para a defesa dos interesses do país, muitas vezes, como está sendo o caso, sem a correspondente valorização. Que o governo, em geral, e a presidente, em particular, perceba o erro que comete ao não valorizar esses servidores públicos.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do Diap - Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Direito Econômico Internacional

Comércio internacional

Governo estuda revisão da lei de defesa comercial

O governo brasileiro pretende revisar a legislação da defesa comercial para blindar a indústria nacional contra o comércio desleal. A mudança visa a atualizar e a modernizar o Decreto 1.602/95 que regulamenta as normas que determinam os procedimentos administrativos sobre a aplicação de medidas antidumping no comércio internacional.

Desde o dia 29 de agosto, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) abriu consulta pública para colher sugestões de aprimoramentos da norma e adaptação à realidade atual do comércio exterior brasileiro. As propostas podem ser enviadas para o e-mail consulta1602@mdic.gov.br, até o dia 8 de outubro.

De acordo com a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Tatiana Prazeres, a legislação, que tem mais de 15 anos, não atende à atual posição brasileira de economia emergente, que tem sido alvo de empresas de todo o mundo, inclusive com concorrência desleal.

“Quanto mais o Brasil adota antidumping, mais se multiplicam as formas que os importadores no Brasil e os exportadores no exterior encontram para burlar o direito adotado. Tem triangulação, falsa declaração de origem, são diferentes mecanismos. Não adianta só ter o olho para antidumping, temos que estar de olho em práticas criativas e ilegais que visam a contornar o direito adotado”, disse Tatiana à Agência Brasil.

Segundo ela, a revisão da legislação está focada em quatro pilares: experiência acumulada no Brasil nos últimos anos, procedimentos adotados por outros países, decisões da Organização Mundial do Comércio (OMC) a respeito dos processos de investigação e sugestões do setor privado.

“Acumulamos experiência sobre condição de processo que gera massa crítica, para revisão da norma. Além disso, a gente está observando como o mundo conduz investigação de defesa comercial e o que a OMC tem decidido sobre alguns contenciosos. Também queremos saber que contribuições o setor privado tem para dar. É o momento de reavaliarmos juntos a legislação”, comentou.

Mais investigadores

Além da revisão da norma de defesa comercial, o MDIC trabalha internamente para viabilizar o concurso público que vai contratar 120 novos investigadores para o órgão, previsto para o próximo ano.

“Precisamos de mais gente para conseguir conduzir, simultaneamente, mais investigações. Enquanto a média mundial é de três pessoas para cada processo, no Brasil ocorre o contrário, cada pessoa tem três processos para cuidar. Estamos convencidos que com número maior de investigadores, faremos investigações em menos tempo”, concluiu a secretária.

Na semana passada, durante a divulgação da proposta da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2012, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, informou que estão previstas “contratações para reequipar o MDIC, para fazer acompanhamento das denúncias de triangulação e das práticas nocivas ao comércio internacional”. 

Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2011

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Funções essenciais a Justiça

Atuação do órgão

Ampliação da AGU poderá ajudar o crescimento do país

Por Allan Titonelli Nunes

Nos últimos dias publicizam-se notícias de jornais dizendo que a crise econômica provocou a contenção dos gastos, redundando na falta de previsão orçamentária para o reajuste dos servidores públicos federais.

Os economistas de plantão começam a comparar a presente crise internacional àquela vivenciada pelo Mundo em 2008. Natural, então, fazer-se uma digressão e verificar a singularidade de ambas.

A crise de 2008 atingiu a China, os EUA, a Europa (Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Irlanda entre outros países) de maneira mais contundente e forte, afetando diretamente o crescimento econômico Mundial.

Diversos países suportaram uma retração do Produto Interno Bruto (PIB). O mercado financeiro despencou, face o colapso do sistema bancário americano, que há muito atuava alavancado, sem mecanismos de controle, provocando uma repercussão de solvibilidade dos bancos internacionais.

Naquela época o Brasil também foi afetado, havendo um crescimento pífio, próximo à estagnação, ante ao verificado nos anos anteriores. Vale lembrar, entretanto, que antes da crise econômica internacional aparecer o Brasil debatia a volta da inflação, tendo em vista o consumo interno desenfreado.

A crise atual experimenta resquícios do momento anterior, afetando principalmente EUA e Europa (Portugal, Itália, Grécia e agora França). Todavia, apesar de algumas análises pessimistas, não há perspectivas de uma recessão econômica singular àquela.

Em 2008 o então Presidente Lula disse que a repercussão da crise no Brasil seria uma “marolinha”, face os fundamentos econômicos do Estado brasileiro, ao que foi duramente criticado pelos economistas. Da mesma forma, sofreu ataques por dizer que cumpriria o cronograma de reajustes concedido ao funcionalismo público federal.

Enfim, o pacote governamental de 2008 teve como equação financeira e política a redução dos juros, manutenção do poder de compra dos servidores públicos federais, atuação incisiva na reestruturação do país (através do PAC), continuidade do processo de combate à pobreza, etc...

Enfim, Lula não se curvou à pressão dos economistas, que agora retomam a carga, e o Brasil passou ao largo do ocorrido com a maioria dos países. Se não foi uma marolinha, pode-se dizer que o Brasil saiu da crise sem grandes traumas estruturais.

Hoje o Brasil terá crescimento econômico perto de 4% (quatro por cento) do PIB e superávit até agosto de 2011 de 16 bilhões de reais. Logo, se o Brasil vivencia situação econômica melhor do que 2008 porque não adotar a mesma solução, fortalecendo os servidores públicos federais, dando continuidade às obras do PAC, aumentando o combate à pobreza e etc... Usar-se-iam as mesmas ações para um problema similar, ocorre que hoje os economistas “mandam” no Governo, faltando coragem e ousadia política.

Feita essas considerações passa-se a analisar a atuação da Advocacia-Geral da União nesse contexto, descrevendo suas atribuições e demonstrando como poderia contribuir para o crescimento ainda maior do país.

A Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que representa judicialmente e extrajudicial a União, prestando as atividades consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal e defendendo em juízo a União, leia-se Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Entre os órgãos que compõem a estrutura da AGU podemos citar a Procuradoria-Geral da União, que faz a assessoria e defesa da administração pública direta, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que faz a consultoria e defesa da União nas causas de natureza fiscal, além de executar a dívida ativa da União e a Procuradoria-Geral Federal, responsável pela consultoria e defesa da administração pública indireta. Ressalta-se, ainda, o papel da Procuradoria-Geral do Banco Central no assessoramento e representação judicial do Banco Central, autarquia de caráter especial.

O Constituinte incluiu a AGU entre as Funções Essenciais à Justiça, inserindo-a expressamente no capítulo, IV, seção II, da Carta Magma, tendo como objetivo a criação de um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.

A construção da AGU conforme os anseios Constitucionais têm sido feita gradativamente. Para o bem do nosso Estado Democrático de Direito e desenvolvimento econômico e social do país é necessário que essa mudança ocorra o mais rápido possível, considerando a necessidade de: criar carreiras de apoio, objetivando dar maior celeridade e eficiência nos trâmites operacionais; modernizar as instalações e funcionalidades técnicas dos sistemas de informática; prover todo o quadro efetivo de Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores do Banco Central, para assim, desempenhar suas funções à contento; implantar remuneração isonômica às demais Funções Essenciais à Justiça e às Procuradorias dos Estados, evitando o elevado índice de evasão e comprometimento da atividade de defesa do Estado; instituir prerrogativas isonômicas àquelas existentes para os Magistrados e Promotores, visando dar condições de igualdade no enfrentamento judicial e introduzir pagamento de honorários, direito do advogado público, tendo em vista que é dever da parte sucumbente pagar honorários ao advogado da parte adversa, o que configura, na atualidade, como apropriação indébita da União.

A AGU deve ser tratada como salvaguarda de um Estado Democrático de Direito mais célere e eficaz, pois mesmo com as dificuldades apontadas tem apresentado resultados positivos.

Ao ter como primado o cumprimento dos princípios Constitucionais que norteiam a atividade administrativa, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência a AGU reafirma seu papel de órgão essencial à Justiça e ao cidadão.

Para a concretização desse mister é necessária a garantia de uma Advocacia Pública independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo. Todavia, a atuação de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará um ganho de qualidade para a política pública escolhida.

Outrossim, a despeito das enormes conquistas alcançadas, os Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores do Banco Central não estão sendo valorizados. Isso porque, investir na melhoria da eficiência administrativa do país e nos seus órgãos estratégicos (AGU) é evitar desperdícios, defender o patrimônio público e gerar maiores receitas para a União, o que não tem sido feito.

A AGU obtém recursos para os cofres públicos, recupera os créditos para execução das políticas públicas, interfere diretamente na execução dessas, o que pode ser observado pelo relatório de gestão de 2010, onde obteve: R$ 2,026 trilhões economizados/arrecadados aos cofres da União; arrecadação de 13,3 bilhões de valores inscritos em Dívida Ativa da União; ressarcimento aos cofres públicos de R$ 24,3 milhões, através de 31.142 execuções fiscais ajuizadas relativas às autarquias e fundações públicas federais; arrecadação de R$ 1,5 bilhão de contribuições sociais na Justiça do Trabalho; bloqueio de R$ 582 milhões desviados por corrupção; vitória na maior ação judicial da história da AGU, com economia de R$ 2 trilhões aos cofres da União; acompanhamento diário de 683 ações estratégicas envolvendo o PAC, Olimpíadas e a Copa; vitória judicial da tese de incidência da CSLL e da CPMF sobre as receitas decorrentes de exportações, representando uma economia ao Tesouro Nacional no valor de R$ 36 bilhões, no período de 1996 a 2008; vitória judicial na ação referente ao crédito-prêmio do IPI, resultando em uma economia de 288 bilhões aos cofres públicos.

Sendo necessário registrar que grande parte do superávit alcançado pelo Governo Federal em 2011, não provisionados no orçamento, decorreu da atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) na cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da Vale, que resultou na arrecadação de R$ 5,8 bilhões ao Tesouro.

Pelos números divulgados pode-se perceber que a AGU é superavitária e autosustentável. Apesar de ser um órgão estratégico para a União há deficiências estruturais que podem ser eliminadas, conforme relato descrito acima. A demora na implantação dessas soluções resulta em um aproveitamento inferior ao que o órgão poderia estar atingido. Em época de anúncio de contenção de gastos o planejamento estratégico deveria ser valorizado, motivo pelo qual o investimento na AGU é lucro, garantindo, assim, receitas “extras” para o enfrentamento da crise e da execução das políticas públicas.

A Advocacia Pública Federal compromete-se com o Estado brasileiro, mas exige o reconhecimento do Governo Federal pelos diversos feitos alcançados, resultante do trabalho diuturno e sacrificante dos seus membros.

Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.

Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2011

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Inafastabilidade X Acesso a Justiça X Prestação de Tutela Jurisdicional

Judiciário para o cidadão

A Justiça ainda teima em funcionar em um único turno

Por Miguel Ângelo Cançado

O Conselho Nacional de Justiça acaba de divulgar os dados do relatório Justiça em Números relativos a 2010. São informações e números impressionantes de tão superlativos que se apresentam e, por isso mesmo, merecerão ampla análise e repercussão na sociedade.

Segundo ali se vê, tramitaram em todo país no ano pesquisado 24,2 milhões de processos novos, com redução de 3,9% em relação ao ano anterior. Foram consumidos mais de 41 bilhões de reais com o funcionamento da Justiça nas suas três esferas, estadual, federal e do trabalho.

Durante a solenidade de lançamento do relatório, o ministro Cezar Peluso, Presidente do STF e do CNJ, disse que “é preciso lembrar que, por trás de cada um desses milhões de processos há um cidadão”. Então, digo eu, há em cada caso um cidadão que, em geral, carrega consigo uma enorme carga de angústia e de expectativa de ver seu conflito de interesses resolvido. Mas, haja paciência!

Uma das claras conclusões a que se chega diante da diversidade de informações que o Justiça em Números contém é que o cumprimento da missão republicana do Poder Judiciário precisa mesmo ser visto sob a perspectiva dos interesses do cidadão e, lógico, do atendimento às suas demandas. O que ultrapassa a frieza das estatísticas.

A Constituição Federal impõe princípios para a administração pública, dentre eles, os da eficiência e da razoável duração do processo. Quanto ao Poder Judiciário é indispensável que nos utilizemos dos números recém divulgados para saber se eficiência e celeridade processual são realidade ou quimera.

Nesse contexto, chamo a atenção para o fato de que, além de outros temas recorrentes que gravitam em torno da tão falada morosidade do Judiciário, discute-se hoje, com razoável intensidade, a questão do horário de funcionamento dos órgãos jurisdicionais, sobretudo depois da edição da Resolução 130 do CNJ e da suspensão dos seus efeitos por medida cautelar proferida monocraticamente pelo ministro Luiz Fux do STF.

Ora, não há como falar em bem atender o cidadão se o Poder Judiciário em diversas das suas esferas e unidades da Federação ainda teima em funcionar em apenas um turno, sob o argumento de falta de estrutura e para evitar aumento de custos, como, aliás, consta do despacho do ministro Luiz Fux.

Preocupados que estamos, os advogados brasileiros, com essa urgente questão, lancei há poucos dias proposta ao Conselho Federal da OAB de uma campanha para conscientização geral para a necessidade de se uniformizar e ampliar os horários de atendimento a advogados e partes, fazendo valer, ao menos, a Resolução 130 do CNJ.

Quem sabe assim, ao invés de se administrar com os olhos voltados para os cofres, os agentes públicos voltem suas sensibilidades para o jurisdicionado, que não se conforma em ver as portas dos fóruns e tribunais fechadas enquanto dos demais ramos das atividades produtivas e dos serviços públicos estão abertas.

Miguel Ângelo Cançado é presidente da OAB de Goiás.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2011

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Palestra EMERJ - 14.09.2011

Prezados amigos,

No dia 14.09.2011, a partir das 09:30, indo até as 12:00 horas, estarei realizando palestra na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, no FÓRUM PERMANENTE DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES, ÉTICA E DEONTOLOGIA NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO E DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS DA JUSTIÇA, sobre o tema Direito e Economia - Formas de Interventivas do Estado na Economia e os Mecanismos Jurídicos de Atuação e Controle. Entrada Franca.


Carreiras Típicas de Estado

MPF quer consultores jurídicos concursados no Exército e nos ministérios da Agricultura, Turismo e Saúde

Plantão | Publicada em 02/09/2011 às 16h29m

BRASÍLIA - O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) foi quinta-feira à Justiça Federal do DF para obrigar os órgãos da administração pública federal a regularizar a ocupação de cargos de consultoria e assessoramento jurídico. Segundo o MPF, esses postos devem ser preenchidos apenas com servidores de carreira da Advocacia-Geral da União (AGU) e de órgãos vinculados. Os principais alvos da ação são os ministérios da Saúde, do Turismo e da Agricultura (os dois últimos alvos de denúncias de corrupção no último mês), além do comando do Exército, nos quais predominam servidores não concursados.

O MPF diz que o objetivo é garantir a independência técnica da área, que é responsável por auxiliar no controle prévio dos atos da administração. É competência das consultorias jurídicas apontar vícios em licitações, contratos administrativos, propostas de convênios e outros repasses de recursos públicos a entidades privadas. O MPF informa ainda que, excetuando-se o Exército e os três ministérios, a maioria das pastas já regularizou a situação.

Segundo autor da ação, o procurador da República Paulo Roberto Galvão, "não é concebível, em um sistema que pretenda que tais funções sejam exercidas de forma efetiva, delegá-las a servidores que possam ser demitidos a qualquer tempo, e pelas mesmas pessoas a quem seus atos possam incomodar". O MPF cita a Constituição e a Lei Orgânica da AGU para dizer que apenas o cargo de chefe da consultoria jurídica - o consultor jurídico - é de livre nomeação pelo presidente da República, sendo aberto para não integrantes da carreira. O restante, diz o MPF, é privativo aos advogados públicos.

O MPF também diz que a irregularidade é reconhecida pela AGU desde pelo menos abril de 2009, quando o órgão determinou que os servidores não concursados fossem exonerados e substituídos por integrantes da AGU até outubro de 2010. O prazo foi posteriormente estendido para dezembro de 2011.

O MPF diz que a AGU foi alertada novamente em julho de 2011 sobre a irregularidade, limitando-se a apontar as dificuldades para fazer cumprir a norma. Segundo Galvão, isso indica que os prazos serão novamente prorrogados. "Pelo desenrolar dos fatos, as providências não serão tomadas espontaneamente pela União. Assim, é preciso que o Poder Judiciário intervenha", diz ele na ação.

Conflito de Poderes: Negativa de Tutela Jurisdicional + Corporativismo/Negligência/Omissão X Orçamento/Aumento X OAB + Impresa livre

A Justiça que tarda e falha

Para cumprir metas, Estado do Rio arquiva 96% dos inquéritos de homicídio

Publicada em 03/09/2011 às 17h07m
Chico Otavio (chico@oglobo.com.br)Tatiana Farah (tatiana.farah@sp.oglobo.com.br)


RIO - O comissário de polícia Domingos Lopes caprichou no relatório: "Nas investigações surgem bastantes indícios do envolvimento no crime por parte de Valdilene, Sandro, Roberto, Marcelo Barbosa e Ademir Siqueira". Diferentemente da maioria dos inquéritos de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, a delegacia surpreendeu ao apontar os suspeitos da morte do guarda municipal Marcelo Caetano da Costa. O comissário queria novas diligências, mas o promotor do caso, Sérgio Pinto, foi implacável. Em abril, quatro anos depois do relatório, ele concluiu: "Fato não testemunhado, autoria ignorada. Pelo arquivamento".


Quando a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) estabeleceu a meta, o objetivo era combater a impunidade, sacudindo a poeira de 140 mil inquéritos abandonados nos cartórios policiais do país. Na prática, porém, os promotores optaram por arquivar em massa, em vez de investir mais nas investigações, para chegar a dezembro com prateleiras vazias.

Nos primeiros quatro meses de Meta 2, os MPs do país já arquivaram 11.282 casos e ofereceram denúncia em apenas 2.194. O Rio é o segundo maior arquivador: pediu o encerramento de 96% dos casos examinados. O estado fluminense, só superado por Goiás (97%), tem mais da metade de todos os inquéritos arquivados no Brasil por causa da Meta 2.

Entre as vítimas, pobres são maioria

O exame de uma amostra dos inquéritos que tiveram esse destino, numa das quatro varas do Tribunal do Júri da capital, revela que alguns promotores, para zerar o acervo, estão ignorando evidências ou arquivando investigações que nem chegaram a começar em inquéritos que se resumem à mera troca de carimbos entre a delegacia e o MP.

Em abril, quando o trabalho começou, o Rio acumulava 47.177 inquéritos em aberto. As vítimas eram, geralmente, moradores de áreas pobres e violentas, muitos deles com anotações criminais, presas preferenciais dos grupos de extermínio que agem nesses lugares. Na pressa de reduzir a pilha, alguns promotores cometeram erros crassos, facilmente descobertos no exame de páginas que provavelmente nem foram abertas para ensejar a decisão pelo arquivamento.

O servente Geílson Gomes de Carvalho, de 35 anos, foi retirado de casa e morto a pauladas por traficantes de Vigário Geral em 22 de junho de 1998. Convencida por um papa-defuntos, a então companheira da vítima, Maria do Carmo David de Souza, mentiu na delegacia ao dizer que Geílson, na verdade, fora atropelado. Ela queria receber o seguro do DPVAT, mas a armação foi desmascarada pelo irmão do morto, Joaquim de Carvalho, que confirmou e descreveu o crime.

Além de não apurar a fraude, a 39 Delegacia Policial (Pavuna) se esqueceu de retirar da capa do inquérito a classificação de "atropelamento", embora a própria fraudadora tivesse reconhecido a mentira em novo depoimento anexado ao volume. Em 9 de agosto deste ano, a promotora Andréa Rodrigues Amin pediu o arquivamento do caso. Motivo: prescrição por extinção de punibilidade, por se tratar de um "atropelamento" cuja pena máxima seria de quatro anos.

Andréa Amin, procurada pelo GLOBO, reconheceu o erro. Disse que não leu, realmente, as peças do inquérito que revelavam a fraude. Mas disse que, mesmo se tivesse lido e constatado o homicídio, teria pedido o arquivamento. A promotora, titular da 29 Promotoria de Investigação Penal (Pavuna, Vicente de Carvalho, Acari e outras áreas violentas), padece com 3.300 inquéritos da Meta 2 em aberto:

- Trabalho com duas delegacias que ainda não são delegacias legais. Os policiais, envelhecidos e mal pagos, ainda trabalham com máquinas de escrever. Se as famílias das vítimas não ajudarem, não há como chegar aos autores.

- Ajudar? Meu filho, você sabe onde moro? - reagiu a parente de uma das vítimas citadas, moradora da borda de uma favela, que prefere mesmo ver o inquérito arquivado, caso a polícia e o MP não encontrem os autores por conta própria.

Alguns promotores já desenvolveram métodos para arquivamentos em massa. É o caso de Janaína Marques $êa. Num conjunto de pedidos negados por juízes do TJ-RJ, aparecem 11 casos em que a decisão de Janaína era exatamente igual, mudando só o nome da vítima. Em nota, ela alegou que os textos são iguais porque "os fundamentos são os mesmos".

Uma característica se repete em praticamente todos os casos de arquivamento selecionados pelo jornal: os inquéritos são magros e se resumem à troca de carimbos entre a delegacia, que sempre pede mais prazo quando o atual está prestes a vencer, e os promotores, que os concede. De carimbo em carimbo, os casos acabam atingindo a prescrição, para alívio de todos. É menos um na prateleira.

O garçom Alexsander Lima Batista, de 22 anos, e o servente Alexandre Chaves do Nascimento, de 28, foram executados no dia 20 de janeiro de 2006 em Vicente de Carvalho. Como muitos outros, o caso parecia seguir a rota dos carimbos quando um comunicado reservado da Ouvidoria da Polícia ofereceu uma luz no fim do túnel: apontava (com detalhes) um grupo de extermínio liderado por um sargento da PM como responsável pelos assassinatos.

No início de agosto, a promotora Janaína decidiu que o melhor a fazer, sobre o caso, era esquecê-lo. Pediu o arquivamento alegando que "foram efetuadas diligências com o intuito de apurar o fato, sem contudo lograr-se êxito". No entanto, o exame do inquérito atesta que, mesmo depois do comunicado, a polícia não fez uma única diligência para apurar o caso.

O número de arquivamentos tende a crescer. Sérgio Pinto, que arquivou o caso do guarda municipal de Santa Cruz, admite que no último mês já pediu o mesmo para outros 292 casos. Ele defende a medida:

- Estamos arquivando para que os novos inquéritos detenham atenção especial em sua elucidação.

SP: tribunal arquiva 1.500 inquéritos

A prática de arquivar antecede a Meta 2. No 1 Tribunal do Júri de São Paulo, que concentra mais da metade dos casos de homicídio da cidade, só no ano passado foram arquivados 1.500 inquéritos. A grande maioria deles, cerca de 90%, é arquivada por falta de informações sobre a autoria do crime. E a maior parte desses crimes acontece em bairros pobres, em meio a famílias sem condição financeira ou social para clamar por Justiça.

O juiz Renato Chequini conta que, quando essas mortes ocorrem, seja por acertos de dívidas de drogas ou crimes cometidos em favelas e ruas, é raro haver investigação criminal. O juiz também se queixa da falta de uma política de proteção às testemunhas, o que inibe os depoimentos.

- Se a família da vítima for pobre, a chance de arquivamento é enorme. A testemunha protegida no Brasil é um caso de ficção, assim como o país não tem a cultura da polícia técnica. Quando um inquérito começa a ir e voltar, com papéis de um lado e outro, é sinal de que será arquivado - diz o juiz.
JUSTIÇA QUE TARDA E FALHA

Falta de investigação de homicídios resulta em fracasso institucional, alertam entidades

Publicada em 04/09/2011 às 23h07m
Alessandra Duarte, Camila Nobrega, Jailton de Carvalho e Márcia Abos
RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO - Exemplo de "fracasso institucional", que leva à perda de confiança da população. Assim a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e entidades de direitos humanos e de vítimas de violência classificaram ontem o arquivamento em massa de inquéritos de homicídios feito pelos Ministérios Públicos estaduais para cumprir determinação do Conselho Nacional do Ministério Público de meta de conclusão de investigações - como O GLOBO revelou no domingo. Mais de 11 mil inquéritos foram arquivados no país, mais de seis mil só pelo MP do Rio.

Em comunicado, o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, afirmou: "Metas de solução dos casos não devem ser interpretadas como ordens de arquivamento amplo, geral e irrestrito que deixem à solta assassinos e criem sensação de injustiça". A OAB comparou o quadro com o que ocorria com desaparecidos políticos na ditadura: "Sumiços não explicados; não adoção de estratégias para reconhecimento de corpos em cemitérios clandestinos; falta de análise séria dos autos de resistência. Esse quadro alimenta, no cidadão, a ideia de fracasso institucional e descrença na Justiça", disse Damous. A OAB ressalta que o perfil "é o de sempre: vítimas pobres, como se a vida dessas pessoas nada valesse".

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, considerou preocupante o arquivamento em massa e disse que o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça devem punir eventuais abusos. Cardozo ficou surpreso ao saber que a promotora Andréa Amin, do Rio, propôs arquivar um inquérito mesmo sem ler a peça mais importante, a classificação fraudulenta como atropelamento:

- Se inquéritos são arquivados sem serem lidos, acredito que CNMP e CNJ devem tomar medidas cabíveis.
"Tem que ser só perder e enterrar?"

Da diretoria do grupo Tortura Nunca Mais, Joana D'Arc Fernandes Ferraz questiona o conceito de eficiência utilizado pelos MPs estaduais:

- Em que medida metas se ligam apenas ao aspecto formal e se desvinculam da eficiência real, que é a função social do MP? É uma incoerência.

- Se a pessoa escolheu carreira de advogado, juiz, promotor, não pode precisar de meta para cumprir sua função. E é perverso: só se apura crime de pobre, não crime contra pobre - diz o ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ João Tancredo.

Iracilda Toledo sabe há 18 anos o que é aguardar uma investigação. Presidente da Associação de Familiares de Vítimas da Chacina de Vigário Geral, teve o marido morto na chacina:

- Arquivam porque têm que concluir (a pilha de casos)? A gente perde a confiança em denunciar. Quantos não falam por medo? Agora, então, que sabem que não investigam... Então, não se pode exigir explicação? Tem que ser só perder e enterrar?

Para o coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante-geral da Polícia Militar e atual coordenador de Segurança Humana da ONG Viva Rio, o arquivamento em massa desacredita todo o trabalho das polícias Militar e Civil:

- A mensagem é muito ruim para os policiais que estão lá na ponta, fazendo a preservação do local e investigando os indícios.

Presidente do Rio de Paz, Antônio Carlos Costa fala em "desserviço":

- Vivemos num estado que pune crimes menores, em flagrante, mas não homicídios. Foram mais de 31 mil mortes violentas desde 2007.

O deputado estadual Marcelo Freixo disse que a Assembleia Legislativa do Rio marcou para o próximo dia 27 audiência pública sobre o arquivamento de autos de resistência:

- Os 96% de arquivamento (no Rio) mostram ineficiência do MP. O Estado continua matando e ficando impune.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Nelson Calandra, o arquivamento "é a ponta do iceberg":

- Debaixo d'água está nosso sistema processual penal, que precisa ser mudado imediatamente. O que esperar de uma testemunha que após um julgamento sai pela porta da frente de um tribunal ao lado do réu? Nosso sistema faz do réu sua excelência - diz o desembargador. - Além disso, temos um inquérito policial que é uma peça de museu. Delegacias e peritos estão completamente sucateados.

O promotor Márcio Nobre, coordenador da central de inquéritos do MP na cidade do Rio, disse que não pode apontar a causa dos arquivamentos. Segundo ele, porém, o que ocorre com frequência nos inquéritos mais antigos são falhas de apuração, o que estaria mudando desde a criação da Divisão de Homicídios da Polícia Civil:

- Não cabe a um promotor descobrir o autor de um assassinato. A conclusão dos casos termina no MP, mas inquéritos mais antigos têm péssimos índices de apuração. O arquivamento é consequência da investigação fracassada e até tentativa de não fazer com que os crimes prescrevam. Não posso avaliar o trabalho de cada promotor.

Procurado pelo GLOBO, por intermédio de sua assessoria, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não retornou a ligação do jornal.

Conflito entre poderes

Dilma envia mensagem listando projetos de reajuste do Judiciário, mas deixa decisão para o Congresso

Publicada em 02/09/2011 às 14h17m
Cristiane Jungblut (crisjung@bsb.oglobo.com.br)

BRASÍLIA - Para tentar reduzir o mal-estar com o Poder Judiciário, a presidente Dilma Rousseff enviou nesta sexta-feira mensagem ao Congresso que apenas lista os projetos de reajustes já existentes, mas deixa a responsabilidade de aumentar gastos com pessoal para o Congresso. No final do texto, Dilma deixa claro que não incluiu as propostas que, caso aprovadas, teriam um impacto de R$ 7,7 bilhões. Ela alerta que está informando ao Congresso a existência das propostas para respeitar a independência dos poderes.

JUDICIÁRIO X EXECUTIVO

Sem o aumento, os desembolsos com o Judiciário irão consumir R$ 23,38 bilhões em 2012, ou 11,5% do gasto da União com pessoal e encargos sociais. A folha dos Três Poderes baterá os R$ 203,24 bilhões em 2012, contra R$ 199,6 bilhões em 2011.
" A comissão terá que descascar o abacaxi. O orçamento enviado pelo governo está todo arrumado sem isso ( previsão de reajuste para o Judiciário). Vou conversar com o Judiciário e representante dos órgãos para fazer as consultas "
Nos bastidores, o STF já foi avisado de que, no máximo, os parlamentares aceitariam dar um reajuste da inflação aos vencimentos, bem menor do que o solicitado, e deixando de fora os 56% pedido pelos servidores.

O STF tem duas propostas. A primeira, parada desde 2010 e que constava do Anexo V do Orçamento deste ano, eleva os vencimentos em 14,79%, ou de R$ 26,7 mil para R$ 30,6 mil. Anteontem, o Supremo enviou outra: aumenta o subsídio em 4,8% - a inflação prevista para 2011 - em janeiro de 2012, com custo de R$ 977,7 mil no STF e R$ 150,5 milhões em todo o Judiciário. Esse projeto elevaria o vencimento para R$ 27,8 mil. Aplicados juntos, o valor pularia para R$ 32 mil.

"A inclusão de propostas grandes de reestruturação para o funcionalismo federal prejudicaria a efetiva implementação de políticas públicas essenciais como as da saúde, educação e redução da miséria. Todavia, em respeito ao princípio republicano da separação dos Poderes e cumprindo dever constitucional, submeto à elevada apreciação deste Congresso nacional as proposições anexas", diz a mensagem

Segundo técnicos em orçamento, a presidente não altera de forma automática o anexo do orçamento que prevê gastos com pessoal, informando apenas as propostas apresentadas pelo Judiciário. Na prática, isso quer dizer que caberá ao Congresso apontar de onde sairão os recursos para esses possíveis aumentos.

O presidente da Comissão Mista de Orçamento, senador Vital do Rego (PMDB-PB), disse a comissão vai ter que resolver o problema. Ele lembrou que o orçamento enviado tem a receita toda comprometida, sem contar com o reajuste para o Judiciário.

- A comissão terá que descascar o abacaxi. O orçamento enviado pelo governo está todo arrumado sem isso ( previsão de reajuste para
o Judiciário). Vou conversar com o Judiciário e representante dos órgãos para fazer as consultas. Para mim, a mensagem diz que caberá à Comissão Mista de Orçamento resolver o problema. - disse o senador.

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, vai ao Congresso, no próximo dia 14, para dar mais detalhes sobre o orçamento de 2012. Nesta sexta-feira, ela foi pessoalmente ao Senado no final da manhã para entregar a mensagem da presidente. Mas Miriam foi informada no gabinete do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que ele não estava. A mensagem acabou sendo protocolada na Secretaria Geral do Senado por sua assessoria parlamentar, segundo a própria secretária Claudia Lyra. Assessores do Senado confirmaram que a ministra teve uma rápida passagem pelo Senado, mas não chamou a atenção por ser pouco conhecida.

Judiciário reage contra Executivo

Associações representativas do Poder Judiciário divulgaram nota conjunta nesta sexta-feira para protestar contra a proposta orçamentária de 2012, elaborada pelo Executivo. Segundo elas, " é inaceitável" que o governo tenha a intenção de não fazer o reajuste "dos vencimentos de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público".

O Judiciário registrou que o governo não respeitou a Constituição ao tomar tal iniciativa, pois houve "clara violação ao artigo 2º. da Constituição Federal, que comanda no sentido de serem os Poderes da República independentes e harmônicos entre si" e "ainda, o artigo 37, X da Constituição Federal, uma vez que procura claramente inviabilizar a revisão geral anual do valor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República e, por conseqüência, a irredutibilidade de subsídio prevista nos artigos 95 e 128 da Carta Magna, respectivamente".

A nota também convocou os magistrados e servidores do Judiciário a participar do ato público chamado "Dia de Mobilização pela Valorização da Magistratura e do Ministério Público", que ocorrerá no dia 21 de setembro, em Brasília.

Assinam o comunicado a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União - FRENTAS, a AJUFE - Associação dos Juízes Federais do Brasil, a ANAMATRA - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, a AMAJUM - Associação dos Magistrados da Justiça Militar Federal, a AMAGIS/DF - Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios, a ANPR - Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPT - Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, a ANMPM - Associação Nacional do Ministério Público Militar, a AMPDFT - Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP).

PT convoca mobilização da militância e da sociedade para debater regulação de mídia

Publicada em 04/09/2011 às 17h27m
Maria Lima (marlima@bsb.oglobo.com.br)

BRASÍLIA - O IV Congresso Nacional do PT terminou neste domingo com a aprovação de uma moção que reforça o texto da resolução política do partido, votada na véspera, que propõe a discussão do marco regulatório da mídia. A expectativa do presidente nacional do PT, deputado Rui Falcão (SP), é que o governo encaminhe para o Congresso Nacional uma proposta a respeito. A moção, na verdade, é um texto detalhado sobre a postura dos petistas a respeito das atividades de imprensa.



Além da moção, foi aprovada emenda ao texto da resolução aprovada na véspera pedindo mobilização dos filiados para a defesa de todos os pontos do texto, inclusive o marco regulatório da mídia. A emenda "convoca o partido e a sociedade na luta pela democratização da comunicação no Brasil".

- Há um marco regulatório que foi deixado pelo governo Lula e que vem sendo revisado pelo ministro Paulo Bernardo, das Comunicações. Imagino que quando estiver concluído, irá para o Congresso Nacional - observou Falcão.

- Foi aprovada uma moção. Mas é uma posição do partido - acrescentou o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que conduziu os trabalhos do Congresso.
Partido aprova ampla política de alianças

Além disso, o PT aprovou uma ampla política de alianças para as eleições municipais de 2012. O partido rejeitou todas as emendas que queriam limitar as coligações apenas com partidos de centro-esquerda. Esse tipo de orientação sempre costumava ser aprovada.

O texto genérico permite coligações com o PMDB e até com o PSD, ainda nem criado. Para isso, a direção do partido impediu a votação de uma emenda que proibia coligações com o PSD, diante de um quorum baixo.

- Aprovamos, pela primeira vez, uma política ampla de alianças - disse o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP).

Ainda foi rejeitada proposta de tendência mais radical de proibir coligações com o PMDB.

No caso da oposição, o PT diz que "PSDB, DEM e PPS são adversários". Mas o texto genérico permite, no futuro, acertos em locais como Belo Horizonte (MG). O texto diz que estão proibidas coligações com esses partidos em chapas, ou seja, para prefeito e vice. Mas não proíbe explicitamente alianças proporcionais, ou seja, para vereador.

Para o presidente regional do PT de Minas, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), isso permite que em Minas eles façam coligações com tucanos, se for o caso, desde que a chapa não tenha nome do PSDB