sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Caso Cesare Battisti

Fonte: O Globo.

BRASÍLIA - Com seis votos pela libertação imediata, o italiano Cesare Battisti será libertado. Votaram pela libertação os ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto. O relator Gilmar Mendes e a ministra Ellen Gracie votaram pela extradição de Battisti. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, também votou contra a maioria e anunciou que não pedirá vista, mas o resultado não muda mais: Battisti será solto. Os ministros José Antonio Toffoli e Celso de Mello não participam do julgamento porque se julgaram impedidos. A defesa de Battisti acredita que ele poderá ser solto apenas nesta quinta-feira. A assessoria do STF, porém, disse que Battisti poderá ser solto ainda na noite desta quarta-feira.

Battisti foi condenado em seu país pelo assassinato de quatro pessoas na década de 1970, quando integrava um grupo extremista de esquerda. Ele foi preso em 2007 e atualmente aguarda a decisão sobre seu caso na Penitenciária da Papuda, em Brasília.

Na primeiro processo a ser julgado, o STF negou, por seis votos a três, no final da tarde desta quarta-feira, o pedido do governo italiano de extraditar o ex-ativista Cesare Battisiti. Votaram pela não aceitação da reclamação os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio. O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela aceitação da reclamação, assim como a ministra Ellen Gracie e o ministro Cezar Peluso. Apesar da decisão preliminar, a extradição do italiano ainda está sendo analisada pelo Supremo. A Corte apenas decidiu que o governo italiano não tem legitimidade para questionar uma decisão do governo brasileiro.

Mesmo após a decisão do STF de não examinar o recurso do governo italiano à decisão de Lula de não extraditar Battisti, o relator, ministro Gilmar Mendes, quis discutir se o presidente da República tem mesmo o direito de tomar a decisão final em processo de extradição . Para ele, essa interpretação é absurda, porque reduziria o papel da Corte a uma atividade "lítero-poético-recreativa". Logo no início de seu voto, a atitude de Gilmar Mendes provocou confusão e revolta de colegas.

- Que tipo de recurso estamos julgando agora, se a extradição já transitou em julgado? - questionou Ricardo Lewandowski. - Só quero saber o que estou julgando. É a primeira vez que julgo uma petição em uma extradição já transitada em julgado.

Antes do início da votação, o advogado da Itália, Nabor Bulhões, afirmou, no plenário, que a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva implicou em "graves violações do tratado bilateral firmado entre Brasil e Itália" e "atenta contra a autoridade e a eficácia do Supremo Tribunal Federal". Ele disse que o parecer apresentado pela Advocacia Geral da União para orientar a decisão induziu o presidente a erro. Para o advogado, ao dizer que Battisti corria o risco de ter sua situação agravada se fosse mandado de volta a seu país, a AGU estaria acusando a Justiça italiana de não ser isenta.

- Qualquer consideração sobre alegado risco de agravamento da situação significa lançar sobre as instituições judiciárias italianas uma suspeita absolutamente inexistente - observou Bulhões. - O ato do presidente incompatível com a decisão do STF.

Em seguida, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, argumentou que cabe ao presidente da República conduzir a política internacional. Para ele, se o STF considerar a decisão de Lula inválida, estará interferindo em um setor que não é de sua atribuição.

O advogado de Battisti, Luis Roberto Barroso, também se pronunciou. Ele disse que a decisão de Lula foi "um ato de soberania do estado brasileiro". E considerou a decisão "moralmente legítima e justa".

- Volto a esta tribuna para tentar impedir a consumação de uma vingança histórica tardia e injusta, que significará enviar para prisão um homem de cerca de 60 anos para morrer no cárcere, seja pelo decurso natural do tempo, seja pela perspectiva real de sofrer violências naquele cárcere _ afirmou.
Barroso afirmou que se passaram "32 anos, um mês e 20 dias desde o último fato relevante imputado a Cesare Battisti". E que o maior prazo de prescrição no direito brasileiro é 20 anos. Ele acrescentou que, há mais de 30 anos, Battisti é um "homem pacato". O advogado comparou a situação de seu cliente à de militantes brasileiros contrários à ditadura militar.

- O Brasil concedeu anistia a militantes da esquerda, a militantes da direita e a agentes do estado pelos mesmos fatos ocorridos no mesmo período. Nós demos anistia aos agentes do estado, a homens que torturaram meninas e meninos de 18 anos e 20 anos com choques elétricos na vagina, no pênis, no ânus, antes de jogarem-nos dos aviões, de os enforcarem, ou de os rebocarem amarrados em canos de descarga até a morte. Se nós demos anistia para todos, é não só moralmente legitimo como moralmente desejável que o presidente da República do Brasil não venha a punir no Brasil pessoas que aqui estão por fatos que nós tomamos a decisão política de não punir - argumentou.

O advogado afirmou que, se o STF revogasse a decisão de Lula, seria uma humilhação para o Brasil no cenário internacional.

- Eles (A Itália) se dirigiram ao Brasil de forma mais insultuosa e agressiva e eu não posso imaginar que o STF vá submeter o presidente da República do Brasil à humilhação internacional de anular um ato desses e nos colocar de cócoras perante a comunidade internacional, pequenos e humilhados. É melhor morrer de pé do que viver de joelhos - concluiu.

Logo depois, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ressaltou que o governo italiano não tem o direito de opinar sobre processo que tramita em tribunal brasileiro, assim como o Brasil não pode interferir nos motivos que ensejaram o pedido de extradição. Portanto, o STF deveria arquivar o pedido de revisão da decisão de Lula sem ao menos analisá-lo.

- Tal tentativa de interferência no processo de extradição de ambas as partes é violadora do principio de não intervenção em negócios internos de outros estados, que todos sabemos, é a regra basilar do direito internacional público - afirmou Gurgel.

O procurador também ressaltou que a decisão de Lula é soberana e, portanto, indiscutível:

- Sendo a decisão que negou a extradição de Cesare Battisti ato soberano da República Federativa do Brasil, a tentativa por parte da República Italiana de revertê-la dentro do próprio estado brasileiro é afrontosa à soberania nacional.

Gurgel argumentou, ainda, que Lula tinha todo o direito de decidir de forma diferente do STF, porque o próprio tribunal esclareceu que ele teria esse poder.

- Parece evidente que, em momento algum, que o STF determinou ao presidente da República que efetivasse a extradição de Cesare Battisti.

Lula decidiu manter Battisti no Brasil no final do seu governo

Em 2009, o tribunal autorizou a extradição do italiano. Em seguida, decidiu que a última palavra sobre o assunto caberia ao presidente da República. No ano passado, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu manter Battisti no Brasil. O governo italiano recorreu, e o caso foi reaberto.

O advogado Luís Roberto Barroso, que defende Battisti, declarou que seria uma "desmoralização nacional" do presidente da República se o STF declarasse inválida a decisão dele.

"O STF já decidiu, de maneira inequívoca, que a palavra final nessa matéria era do presidente da República. O presidente Lula agiu rigorosamente dentro dos parâmetros que foram estabelecidos. A República Italiana precisa se conformar com a decisão soberana do Brasil. Não acredito que o STF venha a submeter o presidente Lula a uma desmoralização internacional, invalidando um ato de política exterior do país, para atender à Itália, que se dirigiu às autoridades brasileiras de forma imprópria e ofensiva" afirmou o advogado em nota à imprensa.

Enquanto os ministros faziam o julgamento, do lado de fora manifestantes pediam a liberdade do italiano.

Entendendo o caso Battisti

BRASÍLIA - No último dia do mandato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu negar a extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal autorizara a extradição de Battisti , mas deixou nas mãos do presidente a decisão final sobre o assunto. Aos 56 anos, Battisti foi condenado à revelia em seu país com pena de prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas entre 1977 e 1979. Na época, Battisti integrava a organização Proletários Armados Pelo Comunismo (PAC). O ex-ativista nega as acusações.

Agora, a decisão sobre a extradição está novamente com o STF, que deverá examinar se as razões apresentadas por Lula para justificar a permanência no Brasil de Battisti está de acordo com o tratado bilateral entre Brasil e Itália sobre extradições. Enquanto o STF não toma uma decisão, Battisti segue preso na penitenciária da Papuda, em Brasília.
Veja abaixo alguns fatos importantes do caso Battisti:

- A condenação de Battisti na Itália ocorreu após sua fuga em 1981 para a França, que acolheu italianos sob a condição de que abandonassem a luta armada.

- Em 2007, Battisti deixou a França após a revogação de sua condição de refugiado, vindo para o Brasil. O italiano foi preso no Rio de Janeiro e desde então cumpre prisão preventiva para fins de extradição na penitenciária da Papuda, em Brasília.

- Em janeiro de 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu status de refugiado político a Battisti, baseado no "fundado temor de perseguição por opinião política", contrariando decisão do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). O status não permite o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

- A ação do ministro Tarso Genro foi criticada por autoridades italianas, incluindo o premiê Silvio Berlusconi e o presidente Giorgio Napolitano. A decisão do governo brasileiro provocou ainda uma crise diplomática com a Itália, que chegou a chamar de volta seu embaixador no Brasil para manifestar "surpresa e pesar" e discutir o caso.

- O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu às críticas ao afirmar que os italianos deveriam "respeitar" a "decisão soberana" do Estado brasileiro.

- Em fevereiro, o STF negou pedido de liminar do governo italiano contra a decisão de conceder refúgio a Battisti.

- O julgamento da extradição de Battisti no STF foi iniciado em setembro, mas o ministro Marco Aurélio Mello pediu vistas do processo, que voltou a ser analisado no dia 12 de novembro.

- Votaram a favor da extradição os ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que acompanharam o relator Cezar Peluso. Os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello se opuseram à extradição do italiano. Os ministros José Antonio Dias Toffoli e Celso de Mello alegaram questões pessoais e não participaram da votação.

- Após a votação pela extradição, os ministros decidiram também pelo placar de 5 votos a 4 que a decisão final sobre a extradição caberia ao presidente Lula.

- No último dia do mandato, após receber parecer da Advocacia Geral da União, Lula decidiu manter o status de refugiado de Battisti, o que impede a extradição do ex-ativista.


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